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K-12: revivendo os anos escolares com Melanie Martinez (Parte I)

Victtor Huggo

Victtor Huggo

20 de fev. de 2025



K-12: revivendo os anos escolares com Melanie Martinez (Parte I)


Conhecida pela sua excentricidade, tanto na forma de se vestir como na forma de cantar, Melanie Martinez conquistou um grande público com suas letras que, embora brinquem com o lúdico e o infantil, trazem temas como alcoolismo, drogas, abusos, distúrbios alimentares, autoestima, pressões estéticas sociais e bullying. Fazendo com que todos aqueles considerados “diferentes” e “estranhos” conseguissem se relacionar com suas composições, talvez Melanie Martinez seja uma das artistas mais criativas da atualidade.


Tenha você sido a criança estranha da turma ou o adolescente mais popular do Ensino Médio, embarque comigo nessa viagem pelas letras do K-12, segundo álbum de estúdio de Melanie Martinez.


Obs: as músicas estão disponíveis em todas as plataformas digitais e o álbum conta com um filme que está disponível gratuitamente no Youtube e possui legendas em português.


As Rodas do Ônibus (Wheels on the Bus) - Jardim de Infância - 6 anos

Enquanto olha pela janela e percebe que está frio lá fora, Cry Baby, personagem interpretada por Melanie Martinez e que é a protagonista da história que o álbum e o filme têm a intenção de contar, observa as árvores e tenta não olhar para os colegas através do corredor do ônibus. Ela sabe que o motorista está vendo o mau comportamento de seus colegas pelo espelho retrovisor, mas ele não diz nada. Ninguém os observa, ninguém dá a mínima... Mas ela está se mantendo firme no banco da frente. O início da vida escolar de uma criança é o primeiro momento em que ela está longe do ambiente familiar. Ela está em contato com outras crianças e tudo é novo. O caminho até a escola pode ser cheio de preocupações e estar longe de casa pode ser assustador. Para Freud, por volta dos 6 anos, a energia que antes era voltada para a relação familiar e para o próprio corpo da criança agora é direcionada para os objetos e para as atividades escolares. Não um objeto em si, mas tudo o que não diz respeito ao corpo da própria criança. Para isso, Freud dá o nome de período de latência. Logo, a escolarização e o período de latência coincidem. Agora, o interesse da criança será investido nas atividades escolares e no seu relacionamento com outras crianças. Esse período costuma durar até por volta dos 10 anos, onde é superado pela puberdade.


Briga de Escola (Class Fight) - Primeiro Ano - 7 anos

Cry Baby se apaixona por um garoto. Infelizmente, esse garoto é o namorado de Kelly, a garota mais popular da escola. Cry Baby deseja ser Kelly por pelo menos um dia... Até que Kelly descobre o interesse da garota estranha pelo seu namorado e ambas acabam brigando no parquinho da escola. Ao pedir conselhos para os seus pais, Cry Baby ouve da mãe que não deve se engasgar com o próprio choro e do pai ouve que deveria avançar no pescoço de Kelly. No final de tudo, Cry Baby ainda é chamada de monstro pelo garoto que ela gostava após dar uma surra em Kelly. Ah, a primeira paixonite. É normal ficarmos encantados por alguém. Entretanto, quando alguém mais popular ou mais bonito fica encantado pela mesma pessoa, parece que nossas chances ficam menores. Ao procurarmos nossa família por aconselhamento, muito se ouve de "pagar na mesma moeda". Se o seu colega de classe te beliscou, você belisca ele. Você não chora, você revida. E é quando temos, provavelmente, nossa primeira briga com alguém que não é da nossa família. É normal que crianças briguem, principalmente e geralmente, por brinquedos. No entanto, a forma com a qual aprendemos a lidar com isso pode nos afetar para sempre. Se ao ouvirmos da nossa família que devemos engolir nosso choro, isso pode fazer com que nos tornemos pessoas emocionalmente rígidas, com dificuldade em expressar sentimentos, principalmente se forem relacionados à tristeza e raiva. E se formos ensinados a nos defender na mesma moeda, não aprenderemos formas saudáveis de expressar esses sentimentos, o que pode fazer com que nos tornemos explosivos quando frustrados.


O Diretor (The Principal) - Segundo Ano - 8 anos

Após a briga com Kelly, Cry Baby é mandada para a sala do diretor. Lá, no entanto, descobrimos que tal figura de autoridade é o verdadeiro monstro. Ele machuca os alunos só para conseguir o seu dinheiro. Ele já foi confrontado, mas se as coisas não forem do jeito dele, as coisas não serão de jeito algum. Ele "mata" as crianças dia e noite, com pílulas e alimentando discussões virtuais. Ele "atira" nos anjos enquanto afirma ser uma das pessoas boas. Tudo o que ele quer é o dinheiro e o poder, e danem-se os sonhos das crianças. Ele não consegue perceber o quão machucados os alunos estão, não consegue perceber que se ele não ensina, os alunos não aprendem. Ele não compreende que tanto suas ações quanto suas palavras machucam, mas que quanto mais ele destrói os alunos, mais eles estarão gritando na porta de sua sala. Ao mesmo tempo que aos 8 anos a criança já desenvolveu parte de sua personalidade e sente ter um pouco mais de autonomia, ela ainda irá buscar a aprovação de terceiros para se sentir validada. É a idade da curiosidade e da rebeldia. Ao sermos levados à escola, acredita-se que estaremos em um ambiente seguro e propenso para o aprendizado. Mas o que acontece quando a pessoa encarregada pela instituição só está interessada no dinheiro e no poder? O diretor, nesse caso, não percebe as necessidades de seus alunos e acaba os "matando", por assim dizer. O mesmo vale para qualquer figura em posição de autoridade.


Mostre e Diga (Show & Tell) - Terceiro Ano - 9 anos

Existe uma atividade escolar infantil chamada "Show & Tell" (Mostre e Diga) que consiste basicamente em a criança levar algum objeto para a aula e então falar sobre ele. Cry Baby, a personagem de Melanie Martinez, é o "objeto" que foi levado para a aula e está sendo exibida para os colegas em um show de marionetes. Cry Baby questiona o porquê ser tão difícil as pessoas enxergarem ela como um ser humano comum. Se ela se cortar, ela sangra. O outro é tão imperfeito e humano como ela. Ela se sente como se fosse um produto para a sociedade... Um produto que pode ser comprado e vendido. E ainda por cima, é muito difícil para ela dizer como se sente por ter medo de ser jogada fora como uma casca de banana. Aos 9 anos, a tendência é que a criança tenha desenvolvido um pouco mais a sua percepção de como as coisas funcionam. É quando começam a criticar o comportamento dos pais e de outras crianças que a cercam. Noções de certo e errado passam a ficar mais claras. Passam a compreender melhor seus sentimentos e expressa-los verbalmente. Estamos sujeitos a opiniões, mesmo quando essas não são solicitadas. Muitas vezes, as pessoas não são gentis em seus comentários e tratam outras pessoas como objetos em uma vitrine: você é categorizado, rotulado e pré-julgado. No entanto, mesmo que cada pessoa sinta as emoções de uma forma muito singular, estamos sujeitos às mesmas emoções. Se você se corta, você sangra.


Enfermaria (Nurse's Office) - Quarto Ano - 10 anos

Após ser praticamente destruída na brincadeira "Show & Tell" dos colegas, Cry Baby é enviada para a enfermaria. Ela implora para não a cortarem ou socarem mais, ela apenas quer ser levada para a enfermaria, lugar que passou a ser o seu esconderijo. Ela é capaz de fingir uma tosse ou até uma convulsão para escapar dos colegas que a odeiam. A perseguição é constante e nem os professores parecem se importar o suficiente para fazerem alguma coisa. Nem mesmo quando a garota que se senta atrás dela corta os seus cabelos. Ela apenas gostaria de ser mandada para casa por estar doente, mesmo que isso fosse uma mentira. Conforme amadurecem, as pessoas podem se tornar mais gentis ou mais cruéis. De uma forma ou de outra, o bullying sempre existiu em nossa sociedade, o que não o torna aceitável. Entretanto, quando nem mesmo as pessoas que deveriam impedi-lo o fazem, você acaba desenvolvendo mecanismos de defesa para lidar com isso da forma menos destrutível possível. Certamente, você quer fugir dos seus opressores, sejam eles outros alunos ou até mesmo os próprios professores. Fingir que está passando mal ou pedir para ir ao banheiro e ficar alguns minutos por lá são algumas das estratégias. Coincidentemente, aos 10 anos o período de latência vai encontrando o seu fim, sendo atravessado pela puberdade, fase em que mudanças corporais acontecem de forma perceptível, contribuindo para o status de popularidade ou escória.


Clube de Teatro (Drama Club) - Quinto Ano - 11 anos

Cry Baby se recuperou e está em uma atividade extracurricular: o clube de teatro. Entretanto, basta um comentário machista de um de seus colegas para que Cry Baby seja obrigada a ser encaixada dentro do papel feminino que a sociedade estabeleceu: a dona de casa subserviente. Cry Baby não entende o motivo de todos serem tão moles, sensíveis e se sentirem ofendidos com as frases e opiniões dela. Ela não se importa que eles tentem manter suas fantasias e máscaras, as falas que precisam ser memorizadas... Mas ela os questiona: "Vocês ao menos tem um cérebro? Estão presos a uma página". Ela se posiciona dizendo que não quer ser uma atriz e viver de acordo com um roteiro. O mundo está lá fora e ela acha o auditório bem entediante. Durante a puberdade, o pré-adolescente entra no período que Freud denominou como "fase genital". Aquela energia que estava sendo depositada nos objetos volta a ser direcionada para o corpo do indivíduo. Isso quer dizer que ele não vai aceitar ser contido e muito menos rotulado em algo que ele não concorda. Ele irá se impor e se expressar. Não se conformar com normas sociais ou não se comportar como esperam que você faça, é, de certa forma, revolucionário. Imagina se em pleno século XXI ainda acreditássemos que azul é cor para meninos e rosa é cor para meninas? Nenhuma mudança começa no silêncio.


Bolo de Morango (Strawberry Shortcake) - Sexto Ano - 12 anos

Após provocar uma rebelião na escola contra o diretor, sinais evidentes de amadurecimento sexual se fazem presentes no corpo de Cry Baby. Ela agora se sente insegura com o seu corpo, se questionando o porquê de não ser parecida com uma Barbie. Os garotos gostam de uma cintura fina, eles disseram. Agora os garotos agem como se nunca tivessem visto um pouco de pele e ela é enviada para casa porque sua saia é muito curta. A culpa é dela, pois ela colocou a cereja no bolo. Foi uma falha dela, pois ninguém ensinou os garotos a não agarrarem. Ela precisa se certificar de que a cera quente que queima a sua pele deixa suas pernas brilhantes, porque as pessoas em volta se importam com a aparência dela e não com o que ela pensa. Ela está mantendo os peitos apertados no sutiã para que eles sejam os melhores. Ela só não entende o porquê de fazerem ela se sentir mal com o corpo que tem ao invés de ensinarem os garotos a manterem suas coisas dentro das calças e simplesmente pararem. Durante a fase genital, o pré-adolescente dedica parte da sua energia em sua própria observação pessoal. Ele vai, de certa forma, apreciar o que ele e outras pessoas podem oferecer sexualmente. Infelizmente, ainda somos parte de uma sociedade que sexualiza e viola o corpo feminino. Como se isso não fosse ruim o suficiente, crianças também são sexualizadas e violadas. A descoberta da nossa própria sexualidade deveria ser encarada como uma coisa bonita e natural, e não demonizada como pervertida ou imoral. Além de lidar com a pressão social para ter um corpo perfeito, em uma sociedade cujos padrões estéticos estão cada vez mais elevados e inalcançáveis, as mulheres ainda precisam argumentar contra a violação de seus corpos. Mas ao invés de falar para elas usarem saias mais longas, o discurso não deveria ser: "ei, caras, não toquem!"?

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