
Quando falamos sobre corpo, prazer e desejo, pensamos logo em algo muito íntimo e pessoal. Mas Michel Foucault, um dos grandes pensadores do século XX, mostrou que esses temas também fazem parte da história, da cultura e das formas como aprendemos a viver. Ele investigou como sociedades diferentes falam sobre o corpo e como isso influencia a maneira como sentimos, desejamos e até nos julgamos.
Uma das ideias centrais de Foucault é que o corpo não é apenas biologia: ele também é moldado pelo mundo à nossa volta. Ao longo da história, diferentes épocas ensinaram as pessoas a cuidarem do corpo de formas específicas — ora com rigidez, ora com liberdade, ora com medo. Assim, aquilo que chamamos de “normal”, “saudável” ou “adequado” muda conforme os tempos mudam.
Foucault também observou que, a partir de certo ponto da história, nossa sociedade passou a olhar para o corpo e para o prazer com um misto de curiosidade e vigilância. Passamos a analisar nossos comportamentos, a medir nossos impulsos e a tentar encaixar tudo em regras. Foi como se o corpo tivesse se tornado um local onde a sociedade inscreve expectativas: seja sobre saúde, seja sobre comportamento sexual, seja sobre modos de viver.
É desse movimento que surge aquilo que ele chama de “sexualidade” — não como algo natural, mas como um conjunto de ideias, normas e discursos que moldam a forma como cada pessoa se entende. Isso explica, por exemplo, como determinados grupos foram definidos, enquadrados e até rotulados com base em suas práticas sexuais. Algo que antes era apenas um ato passou a ser visto como identidade.
Apesar disso, Foucault argumenta que nossa relação com o prazer não precisa ser guiada só por regras ou expectativas externas. Ele recupera um aspecto interessante da Grécia antiga: ali, o cuidado com o corpo e com os prazeres estava mais ligado à arte de viver do que a um julgamento moral. As pessoas buscavam uma vida equilibrada não para se “corrigir”, mas para criar uma existência mais bela, mais consciente e mais própria.
Esse olhar pode nos ajudar hoje. Muitas vezes, carregamos culpas, medos ou pressões sobre o que deveríamos sentir ou fazer. A proposta de Foucault sugere outra direção: que possamos nos aproximar de nós mesmos com curiosidade, não com punição. Que o corpo seja um espaço de cuidado, e não de vigilância. Que o prazer seja entendido como parte da vida, não como algo a ser secretamente regulado.
Quando buscamos psicoterapia, muitos de nós trazemos conflitos sobre o corpo, o desejo ou a forma como nos percebemos. E uma coisa que Foucault nos lembra é que isso não nasce do nada: somos atravessados por discursos, expectativas sociais, modelos de comportamento e até pelos modos como aprendemos a falar sobre nós mesmos. Reconhecer isso é libertador — não estamos “errados”, estamos vivendo dentro de histórias que nos antecedem.
O caminho terapêutico, então, pode ser um espaço para retomar o que Foucault chamaria de “cuidado de si”: uma forma de construir, com calma e verdade, uma vida que faça sentido para nós. Sem perfeição, sem regras prontas, sem julgamentos automáticos. Apenas a chance de transformar nossa experiência em algo mais livre, mais consciente e mais nosso — como uma obra em constante criação.
Geovanna Moreira Bastos | Psicóloga e psicanalista - CRP 01/30116
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