Vivemos um tempo em que quase tudo passa por uma tela: amizades, trabalho, amores, lazer e até o jeito como nos olhamos. Nesse cenário acelerado, muitas pessoas sentem que algo dentro delas está sempre “puxando”: uma força que quer viver, criar vínculos, se expressar… e outra que parece empurrar para o cansaço, o exagero, a comparação constante ou até o impulso de se desligar de tudo. A psicanálise chama essas forças de pulsões de vida e de morte — mas podemos entendê-las de maneira simples como dois movimentos internos que convivem em todos nós.
A pulsão de vida aparece quando buscamos conexão, acolhimento e experiências que nos façam florescer. É quando sentimos vontade de conversar, de aprender algo novo, de criar relações que nos sustentem. Na era digital, ela também se revela na alegria de reencontrar alguém pelas redes, na sensação de pertencimento a uma comunidade on-line ou na inspiração que sentimos ao ver conteúdos que nos tocam.
Mas existe também a outra face: um movimento interno que pode surgir como autossabotagem, irritação, impulsividade ou um mergulho em comportamentos que nos fazem mal. Na vida digital, ele aparece nas comparações que nos diminuem, nos excessos que drenam energia, nos ataques anônimos, no vício por aprovação ou nos momentos em que nos sentimos esvaziados depois de horas rolando a tela. Não é que a tecnologia crie esse lado destrutivo — ela apenas o amplifica.
Para a psicanálise contemporânea, nosso desejo funciona como algo que nunca se completa totalmente. Sempre buscamos algo a mais: mais atenção, mais curtidas, mais reconhecimento, mais pertencimento. No entanto, o que procuramos de verdade quase nunca se encontra ali. É como tentar saciar uma fome com comida que não alimenta: quanto mais consumimos, mais falta sentimos. As plataformas digitais, com suas promessas infinitas, acabam tocando justamente nesse ponto sensível.
Por outro lado, a mesma rede que produz vazio pode abrir espaços de cuidado. Há grupos de apoio, conteúdos que ensinam sobre emoções, formas novas de pedir ajuda e até encontros terapêuticos que antes eram impossíveis. A tecnologia, quando usada com consciência, pode fortalecer nossa pulsão de vida — aquela que busca laços, significado e crescimento.
A chave está em perceber como cada um de nós é afetado por esse novo modo de viver. Perguntas simples podem ajudar: o que me faz bem no digital? O que me destrói aos poucos? Em quais momentos estou procurando conexão genuína e em quais estou apenas tentando preencher um buraco que não se preenche? Nomear essas experiências já é um passo importante para não ser levado pela maré.
A psicoterapia pode ajudar justamente nisso: entender de onde vêm esses movimentos internos, como eles se expressam hoje — especialmente no ambiente digital — e o que fazer para fortalecer aquilo que nos faz viver, e não aquilo que nos faz adoecer. Num mundo cheio de estímulos, olhar para si se torna um gesto de coragem e cuidado.
Na era digital, nossas forças de vida e de autodestruição ganham novos cenários para aparecer. Compreender esses movimentos — de forma simples, humana e sem julgamentos — nos ajuda a usar a tecnologia a nosso favor, construindo caminhos mais conscientes, conectados e verdadeiramente nossos. Afinal, mesmo em meio às telas, seguimos sendo feitos de desejo, história e busca por sentido.
Geovanna Moreira Bastos | Psicóloga e psicanalista - CRP 01/30116
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