
A culpa é um sentimento que muitos conhecem bem. Ela aparece em diferentes momentos da vida — quando dizemos algo que não deveríamos, quando sentimos algo que julgamos “errado” ou quando acreditamos não ter sido bons o suficiente. Na visão psicanalítica, porém, a culpa não é apenas um erro moral: ela revela algo mais profundo sobre o nosso desejo e sobre como nos relacionamos com o outro.
Aa culpa pode nascer de desejos inconscientes, muitas vezes ligados à figura daqueles que representaram autoridade e amor em nossa infância, como os pais. Esses desejos, por serem vividos como “proibidos”, despertam uma sensação de transgressão — mesmo que nada tenha sido feito de fato. Assim, o sujeito passa a se punir internamente, como se precisasse compensar algo errado que ele sequer entende completamente.
Há uma ligação entre culpa, desejo e satisfação. Às vezes, ao desejar algo intensamente, o sujeito sente prazer e sofrimento ao mesmo tempo. É como se o prazer fosse acompanhado por uma punição inconsciente — uma forma de “pagar o preço” por desejar. Esse movimento contraditório é o que torna a experiência humana tão complexa: queremos algo, mas ao mesmo tempo sentimos medo ou culpa por querer.
Muitos sintomas, angústias e repetições em nossa vida podem estar ligados a esse tipo de conflito. A pessoa sente que, sempre que algo bom acontece, algo ruim precisa vir em seguida. Ou, ao contrário, acredita que não merece o que deseja. A psicanálise entende que, nesses casos, o sofrimento se torna uma forma disfarçada de lidar com o desejo — o corpo e a mente falam onde as palavras ainda não puderam ser ditas.
Cada sujeito encontra seu próprio modo de carregar a culpa. Alguns a vivem em forma de pensamentos e dúvidas constantes, buscando controlar tudo para evitar o erro. Outros a sentem no corpo, como tensão, ansiedade ou mal-estar. Há quem se cobre demais, quem se sabote antes de alcançar algo bom ou quem viva com a sensação de estar devendo algo a alguém — mesmo sem saber o quê.
O curioso é que, embora a culpa cause sofrimento, ela também indica vitalidade: ela mostra que há desejo, que algo dentro de nós quer viver, experimentar, ir além. O problema surge quando esse desejo é constantemente barrado pela necessidade de se punir. Nesses casos, o sujeito pode acabar preso em um ciclo em que o prazer e o castigo se confundem, impedindo o avanço.
A escuta psicanalítica propõe, então, que o sujeito fale sobre sua culpa — não para esquecelo, mas para compreender o que ela revela. Ao falar, o indivíduo começa a perceber que por trás da culpa há uma história, uma forma de amar, de desejar e de buscar reconhecimento. O que antes parecia apenas dor pode se transformar em um caminho de autoconhecimento e liberdade.
No processo terapêutico, o objetivo não é apagar o que causa sofrimento, mas dar sentido a ele. Quando o sujeito entende o que sustenta sua culpa, pode encontrar uma maneira diferente de viver seu desejo — sem precisar se punir por isso. É nesse ponto que a psicanálise se mostra tão valiosa: ela não promete eliminar a dor, mas oferece um espaço para que ela fale e, ao falar, se transforme.
Cada pessoa tem seu próprio ritmo para esse processo. Às vezes, é preciso atravessar o silêncio, o medo e até a resistência para poder escutar a si mesmo de verdade. Mas é nesse encontro com a própria história que nasce a possibilidade de desejar de outro modo — com menos culpa e mais consciência.
A psicoterapia, nesse sentido, pode ser um convite a se libertar da necessidade de se castigar por querer viver. Quando escutamos o que a culpa tenta dizer, descobrimos que o sofrimento, em vez de nos aprisionar, pode se tornar uma oportunidade de reconstruir nossa relação com o desejo e com a vida.
Geovanna Moreira Bastos | Psicóloga e psicanalista - CRP 01/30116
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