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Foto do escritorRaísa Suzuki

A banalização das doenças mentais com o uso excessivo da internet e, principalmente, das redes sociais



Já foi citado aqui no blog como a banalização das doenças mentais, aumenta o estigma das mesmas e não auxilia em nada sua promoção e recuperação (Ver post sobre Bipolaridade).


8 exemplos de como banalizamos as doenças mentais


Frequentemente utilizamos na linguagem cotidiana termos sobre transtornos que incapacitam. Às vezes, levam ao desrespeito dos direitos das pessoas afetadas por essas doenças. Os transtornos mentais serão a principal causa de incapacitação no mundo em 2030, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A depressão, segundo a agência, será a primeira causa de morbidade.


Especialistas chamam a atenção sobre como banalizamos estes transtornos no dia a dia: "Hoje estou um pouco deprimido", "o problema é que é bipolar"... Nossa linguagem se alimenta de termos clínicos para definir situações cotidianas "e com uma forte conotação negativa", destaca Julio Bobes, presidente da Sociedade Espanhola de Psiquiatria. "A única coisa positiva que está associada às pessoas com doença mental é que são muito pacientes: lidam com seu transtorno e também com o estigma social".


"Na Espanha, mais de um milhão de pessoas possui um transtorno mental grave, e estima-se que um em cada quatro, ou seja, 25% da população tem ou terá algum tipo de problema de saúde mental ao longo da vida", disse José Luis Méndez Flores, assistente social e responsável do Serviço de Informação e Formação da Confederação Espanhola de Saúde Mental, e acrescenta: "No entanto, esses problemas continuam sendo, significativa e socialmente, pouco conhecidos. Muitas pessoas pensam que um problema de saúde mental é uma "fraqueza" ou "culpa" da pessoa, e o problema de saúde não é reconhecido como tal".


Comecemos por não usar de maneira banal os nomes dos transtornos, cujo "uso polissêmico", nas palavras de Bobes, "não transmite com precisão o que queremos dizer e cria um estigma para pessoas que estão limitadas por eles".


1. Dizer que alguém tem "TOC" por ser muito metódico. Pessoas que sofrem de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) não são simplesmente muito organizadas: "Sua preocupação excessiva com o perfeccionismo ou o controle mental e interpessoal impedem a manifestação de outras características, como a flexibilidade e abertura a novas experiências, e obscurecem ou impossibilitam a eficácia". Sentem-se frustradas por não conseguir terminar as tarefas, segundo descrevem no Manual de Transtornos da Personalidade os especialistas Amparo Belloch, professora de Psicopatologia da Universidade de Valência, e Héctor Fernández-Álvarez, professor de Psicologia Clínica na Universidade de Belgrano, em Buenos Aires. "Concentram-se totalmente em seu trabalho e desempenho, fazendo com que, em muitas ocasiões, deixem de lado suas atividades de lazer e amizades." Este transtorno afeta 1% da população, segundo o manual oficial de diagnóstico de doenças mentais DSM-IV.


2. Chamar de "esquizofrênico" algo louco, estranho ou descontrolado. O dicionário Michaelis define o termo "louco" como algo fora da normalidade, que age de forma irracional ou desprovido de juízo; mas a esquizofrenia é, segundo a OMS, "um transtorno mental grave que afeta cerca de 21 milhões de pessoas em todo o mundo. As psicoses, incluindo a esquizofrenia, são caracterizadas por alterações do pensamento, emoções, linguagem, a percepção do eu e da conduta [...], que podem dificultar que a pessoa trabalhe ou estude normalmente". E adverte que "o estigma e a discriminação podem ser traduzidos em uma falta de acesso aos serviços de saúde e sociais. Além disso, há um alto risco de que os direitos humanos das pessoas afetadas não sejam respeitados, por exemplo, com sua internação prolongada em centros psiquiátricos".


3. Dizer "depressão" quando queremos definir tristeza. Bobes destaca que, frequentemente, usamos este termo para nos referirmos a aborrecimentos cotidianos. "Acreditamos que há coisas tão importantes para as pessoas que podem gerar automaticamente uma doença como a depressão, e não é assim. O problema de usar o termo banalmente é que acabamos sendo críticos contra os que possuem um transtorno depressivo, porque acreditamos que seja uma desculpa para tirar uma licença". De acordo com o relatório da OMS Depression and Other Common Mental Disorders. Global Health Estimates (Depressão e Outros Transtornos Mentais Comuns. Estimativas Globais de Saúde), em 2015, 2.408.700 pessoas tiveram depressão na Espanha, onde 5,2% da população é afetada, sendo o quarto país europeu com maior número de casos.


4. Dizer "bipolar" para se referir a alguém que muda com facilidade de ideia ou estado de ânimo. "O transtorno bipolar é, na verdade, uma doença mental grave do estado de ânimo, anteriormente conhecida como psicose maníaco-depressiva", segundo definição do site "1 de cada 4" para o combate do estigma das doenças mentais da Administração de Andaluzia. "Tem períodos cíclicos de excitabilidade ou mania, que podem durar de dias a meses, e fases de depressão." As pessoas que sofrem do transtorno correm um alto risco de suicídio.


5. Dizer "ansiedade" para falar de nervosismo ou mesmo de impaciência. A ansiedade, segundo a OMS, afeta 1,9 milhão de pessoas na Espanha (4,1% da população) que experimentam "um sentimento de apreensão ou medo, uma preocupação incontrolável e excessiva sobre um grande número de eventos ou atividades (como o desempenho no trabalho ou nos estudos), que geralmente dura mais de seis meses", segundo o site "1 de cada 4". Quando a origem desse sentimento é desconhecida, gera ainda mais angústia. O sentimento é acompanhado de três ou mais dos seguintes sintomas físicos: "Irritabilidade, inquietação ou impaciência, dificuldade de concentração ou ter a mente vazia, fadiga fácil, tensão muscular, dificuldade em conciliar o sono ou sensação de cansaço ao acordar".


6. Dizer que alguém que vive em seu mundo é "autista". As crianças autistas enfrentam muitos problemas de adaptação e desenvolvimento, "alteração dos comportamentos não verbais", tais como manter contato visual com seu interlocutor, "incapacidade de desenvolver relacionamentos com colegas", "atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral", "padrões de comportamento, interesses e atividades restritos ou repetitivos"... Não é apenas o que vivem em seu dia a dia; também enfrentam a "inexistência de um método geral de tratamento” ideal e escassa evidência científica nas “intervenções terapêuticas atuais".


7. Chamar de “antissocial" alguém excêntrico, que não compartilha os mesmos interesses de outras pessoas; uma pessoa com um transtorno de personalidade antissocial possui, na verdade, "comportamento delituosos", demonstra "desconsideração e despreocupação, e vulneração dos direitos dos outros". As características que acompanham sua doença provocam, em geral, "seu fracasso nos papéis que exigem sua responsabilidade — como pai, por exemplo — ou sua honestidade, por exemplo, como um empregado", explicam Belloch e Fernandez-Álvarez. A incidência é de cerca de 3% para os homens e de 1% para as mulheres.


8. Muitas destas doenças levam ao suicídio e, no entanto, dizemos alegremente que “dá vontade de se jogar pela janela", "de cortar os pulsos" ou, diretamente, "vou me matar", quando estamos cansados de algo. O suicídio causa a morte de 10 pessoas por dia na Espanha, sendo que os homens respondem por 75% do total, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE). "É imprescindível acabar com os mitos e ideias errôneas sobre este problema para eliminar o estigma e culpa da conduta suicida [como, por exemplo, que uma tentativa de suicídio é para chamar a atenção], facilitando, assim, que pessoas com ideações suicidas peçam ajuda", explica Nel A. González Zapico, presidente da Confederação Espanhola de Saúde Mental.




As redes sociais promovem banalização do diagnóstico de transtornos mentais


A psicóloga Clarissa Mendonça Corradi Webster enfatiza que o diagnóstico de qualquer transtorno mental é complexo e muito cuidadoso e deve ser feito por profissionais


Transtornos mentais podem ser diagnosticados em 60 segundos? Com a popularização do TikTok, conteúdos rápidos e que prometem realizar o diagnóstico de doenças como depressão, borderline e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ganham cada vez mais espaço. Os vídeos seguem normalmente a mesma lógica, o usuário rola a tela do celular e lá aparece uma lista de possíveis sintomas. Se a pessoa se identificar com determinada quantidade, o diagnóstico está fechado.


O alcance desse tipo de conteúdo é gigantesco. A psicóloga Clarissa Mendonça Corradi Webster, professora do curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, conta que #anxiety (ansiedade em português) registrou mais de 11 milhões de visualizações até o começo de 2022 e a #TDAH, mais de 9 milhões. São temas que geram muito engajamento, mas que não têm nenhuma fiscalização sobre sua veracidade. “Esta é uma combinação ruim, conteúdos de saúde mental complexos produzidos de forma simples, rápida e de modo sensacionalista na busca de engajamento”, completa a psicóloga.


Quando realizado por médicos especialistas, o diagnóstico de transtornos mentais deve ser feito através de uma entrevista ou várias entrevistas com o paciente, na tentativa de coletar dados baseados na observação de como a pessoa se comporta. As entrevistas levam em conta os relacionamentos interpessoais do indivíduo, a maneira de conversar, vivências atuais e passadas, além de investigar áreas como pensamento, humor e impulsividade.

“Nós, enquanto profissionais, buscamos conhecer aspectos da sua história que podem ajudar a esclarecer traços de temperamento que podem influenciar no diagnóstico”, conta Clarissa. Familiares e professores também podem ser consultados para que o diagnóstico seja completo, além do acompanhamento do quadro durante determinado período. A psicóloga pontua que o diagnóstico de qualquer transtorno mental é complexo e muito cuidadoso e deve ser feito por profissionais.


Conteúdos enganosos

Uestudo publicado em 2022 analisou 100 vídeos com a #ADHD (Attention Deficit Hyperactivity Disorder) e concluiu que 52% deles caíram na categoria enganosa. Os demais vídeos totalizavam 27% de relatos compartilhando experiências pessoais e 21% foram classificados como vídeos úteis, ou seja, a minoria deles.


Dos 52 vídeos definidos como enganosos, 37 atribuíam de forma incorreta sintomas psiquiátricos comuns, que existem em vários outros transtornos, e não somente no TDAH. “Sintomas como ansiedade, oscilações de humor, como depressão, raiva, conflitos de relacionamento, que estão presente em vários quadros, foram atribuídos ao TDAH. Ou seja, se você sente isso você tem esse transtorno”, exemplifica a psicóloga.


Outro aspecto importante que a pesquisa levanta é que nenhum dos vídeos categorizados como enganosos sugeriu que o receptor da mensagem, que estava assistindo ao vídeo no TikTok, procurasse ajuda psicológica. “Ou seja, se o produtor de conteúdo partiu do pressuposto de que o que disse é realmente verdade, então ele teria que terminar com a recomendação que o usuário procure um profissional, mas não é o que acontece”, acrescenta a especialista.


Relativização dos transtornos 

Clarissa alerta que, ao banalizar o diagnóstico, o sofrimento também é banalizado. “Cada vez mais, experiências comuns são tratadas no dia a dia com o nome de diagnósticos. Por exemplo, a gente acaba não falando mais que está triste e sim deprimido, ou então se estamos felizes nós dizemos que estamos maníacos. Se percebemos uma variação de humor, já denominamos bipolar.” Ao utilizar de maneira trivial esses termos, as possibilidades de lidar com os transtornos são reduzidas, assim como as chances de ampliar a compreensão sobre eles. 


O estudo citado anteriormente avaliou também quem eram os autores dos vídeos e descobriram que 89 deles foram feitos por pessoas que não eram profissionais da saúde. Ou seja, um número enorme de conteúdo que ensinava a diagnosticar o TDAH foi feito por pessoas despreparadas profissionalmente. “Dessa forma, fica na mão do usuário selecionar os vídeos que têm ou não credibilidade”, conta a psicóloga.


Nesse cenário, uma outra pesquisa,  que avaliou a rede de usuários do TikTok, mostrou que metade deles é composta de jovens. Em 2021, foi identificado que 25% dos usuários da rede tinham entre 10 e 19 anos e 23% entre 20 e 29 anos. Os números mostram uma quantidade enorme de adolescentes que estão em processo de construção de identidade e que procuram muitas respostas sobre questões de vida, encontrando de maneira fácil vídeos que prometem um diagnóstico para doenças tão sérias e complexas.



Banalização das doenças mentais dificulta diagnóstico e tratamento

Diagnosticar a si mesmo e aos outros é a principal forma de banalizar os sofrimentos causados pelos transtornos mentais, diz a psicóloga Valéria Barbieri (Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, Valéria Barbieri.)


Tratar como comum, trivial, as experiências vividas por quem sofre com doenças mentais é uma forma de banalização desses transtornos. Um outro exemplo é ouvir uma pessoa transitoriamente triste dizer que “está com depressão”. E estas situações contribuem para a desinformação e preconceito dos transtornos mentais, alerta a professora do

“A banalização dos transtornos mentais é uma forma de apropriação pela população do conhecimento produzido a respeito deles”, explica a professora. Ao mesmo tempo que o acesso à informação sobre o tema é positivo, corre-se o “risco de esvaziar o significado do diagnóstico dos transtornos”, avalia Valéria sobre o lado negativo de tornar banal o  conhecimento.


Aspecto social e diagnóstico 

Para a psicóloga, outro fator relevante para analisar na banalização dos transtornos mentais pela sociedade é a exigência de que a pessoa esteja sempre em sua “melhor forma”. Este fato, segundo Valéria, transforma oscilações emocionais naturais, como a angústia e a ansiedade, em problemas que precisam ser erradicados. Muito ao contrário, esclarece, esses sentimentos só constituem transtornos mentais quando se tornam incapacitantes para a pessoa durante um longo período de tempo.


Para entender a banalização, ao contrário da pessoa saudável que se diz erroneamente deprimida por um sofrimento circunstancial, que vai desaparecer com o tempo, a professora cita outra pessoa, esta sim diagnosticada com transtorno depressivo e com sintomas mais graves e duradouros. Nesse caso, a pessoa saudável é incapaz de compreender a intensidade e permanência do sofrimento do outro, “já que a depressão que ela diz ter experimentado não foi assim”. A consequência da banalização dos transtornos mentais, nesses casos, é o afastamento, já que “a pessoa com transtorno perde cada vez mais esperança de ser compreendida e fica isolada”.


A principal forma de banalização das doenças psicológicas, no entanto, é a atribuição de diagnóstico a si mesmo e aos outros, afirma a professora. O problema é que, na maioria das vezes, o indivíduo em sofrimento não consegue acessar informações sobre si mesmo. Segundo Valéria, estas são informações inconscientes que somente são obtidas através de entrevistas profundas e testes psicológicos sofisticados, realizados por profissionais com formação especial e com experiência. “Saúde mental, se considerar apenas uma característica ou um sintoma não quer dizer praticamente nada em termos da pessoa ter uma determinada doença ou um transtorno”, afirma a psicóloga.

Enquanto o menosprezo social atua sobre as doenças mentais, o sofrimento cresce. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal causa de incapacidade no mundo é a depressão, com uma estimativa de mais de 300 milhões de doentes. Além disso, cerca de 60 milhões de pessoas no mundo sofrem com transtorno afetivo bipolar. Já a esquizofrenia afeta em torno de 23 milhões de pessoas em todo o planeta.


Experiência com a banalização dos transtornos mentais 

Vítima da banalização das doenças mentais, a estudante de Jornalismo Anna Clara Carvalho, de 21 anos, sofre com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), doença que integra os transtornos ansiosos que atingem 9,3% da população brasileira, segundo o relatório Depressão e outros distúrbios mentais comuns: estimativas globais de saúdedivulgado pela OMS em 2017.

Para Anna Clara, a banalização de sua doença impede as pessoas de perceberem seu real estado de ansiedade (natural ou ansiedade fora do normal) e até mesmo quando está apenas séria. “Podemos estar ansiosos para uma viagem, para uma festa ou para um trabalho. E isso é normal das pessoas, do ser humano. O problema é quando isso começa a ser por qualquer coisa e em todo o tempo do seu dia”, diz Anna Clara.


E o problema se agrava com a incompreensão que a jovem percebe nas pessoas com quem se relaciona. “Elas sempre falam que estão ansiosas, mas quando nós falamos que estamos tendo uma crise de ansiedade ou estamos passando por um momento mais difícil nesse sentido, elas acham que vai passar ou que é só um nervoso por alguma coisa.”

Para Anna Clara, a banalização da doença mental atrapalha o entendimento do transtorno e também a busca por tratamento. “O maior problema da ansiedade é quando as pessoas começam a enxergá-la como um sentimento qualquer, que não precisa ser tratada; não tem valor e não precisa ser encarado com seriedade.”


Estigma e desinformação 

Segundo a professora Valéria, existe ainda outra face da estigmatização dos transtornos mentais, que é a glamourização e a romantização. É nas produções cinematográficas, séries de televisão e mídias sociais que esta face toma forma, através da romantização da questão. “O personagem que sofre de um transtorno mental é curado por outro que se apaixona por ele.” Para a professora, “esse tipo de imagem transmitida contribui para a desinformação” de doenças reais que devem ser tratadas com psicoterapia e, em alguns casos, com auxílio de medicação.


Com aumento do acesso à informação, o autodiagnóstico e a automedicação viraram riscos da glamourização de transtornos de saúde mental


Com a globalização, tivemos um aumento significativo do contato entre as sociedades, e as fronteiras ficaram mais estreitas. Hoje, quem tem acesso às tecnologias pode falar com qualquer lado do mundo em apenas um clique. Nesse meio, as redes sociais surgiram como canais de conexão, unindo pessoas ao redor do globo, e tornando nossas conexões cada vez mais diversas, e criando um espaço para que todos pudessem falar sobre suas experiências. Mas alguns impactos negativos também surgiram nesses locais a partir do uso das plataformas. Um deles é que a lógica das plataformas funciona com base em algoritmos que escolhem por nós o que vamos ver, com base no nosso comportamento, diminuindo a diversidade de opiniões e criando filtros-bolha. Além disso, essa lógica acaba nos incentivando a reagir diante de posicionamentos extremos. E o resultado é que, quanto mais radical a opinião de alguém, mais interações, compartilhamentos (mesmo que por indignação). Certamente, essa lógica ajuda a espalhar discursos de ódio que tanto fazem mal para o desenvolvimento de adolescentes e jovens. Outro problema das redes é que, embora elas contribuam para ampliar o nosso repertório de conhecimento, temas muito complexos costumam ser tratados de maneira muito superficial, inclusive o tema da saúde mental. Como consequência, tem rolado uma verdadeira, e um deles que tem chamado atenção é a banalização das psicopatologias.


De acordo com a professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da USP, Valéria Barbieri, a banalização dos transtornos mentais é “uma forma de apropriação pela população do conhecimento produzido a respeito deles”. Ao mesmo tempo em que o acesso à informação é muito positivo, alguns termos foram “perdendo” seus significados, porque estão sendo utilizados sem fontes confiáveis e sem contexto, e as experiências de quem sofre com algum transtorno passaram a ser vistas como características que todos temos, ignorando o quanto de dificuldade e sofrimento isso pode trazer.

Nesse meio enorme de informações, você já deve ter visto alguém dizendo que “Ai! eu sou tão organizada, com certeza tenho TOC (transtorno obsessivo compulsivo)”. Ou, ainda, alguém dizendo que tem “bipolaridade” para explicar por que muda de humor muito rápido; “depressão”, porque está em um dia ruim; ou “déficit de atenção”, porque não está conseguindo se concentrar naquele momento.


Todos os exemplos citados são formas de banalizar as psicopatologias, porque consideram que momentos comuns, que todos vivemos, são parte dos transtornos e, frequentemente, são vistos na internet, especialmente na forma de memes. Esses comentários colaboram para a ideia muito complicada de que um transtorno é composto apenas de características isoladas, que muitas vezes nem são mesmo parte do diagnóstico, o que torna difícil notar a diferença, por exemplo, entre um transtorno de ansiedade e um momento de ansiedade antes de uma prova. Dessa maneira, é preciso ter muito cuidado e compreender que o autodiagnóstico é um caminho perigoso – seja você criança, jovem, adulto ou idoso.


Além disso, com as redes sociais, filmes e séries, a glamourização de certos transtornos tem sido cada vez mais frequente. Essa situação pode levar quem assiste a desenvolver comportamentos de risco, como a automedicação. É importante também lembrar que o compartilhamento de conteúdo distorcido por blogs e outros canais contribui para espalhar informações falsas e muito perigosas, como acontecia no Tumblr, por exemplo, onde transtornos alimentares eram romantizados, e comportamentos como automutilação eram comparados a formas de arte. Assim, é importante que os transtornos mentais sejam cada vez mais desmistificados e conhecidos, porém, com muita responsabilidade.


É essencial saber que o processo de descoberta de um transtorno leva tempo e pesquisa e deve ser feito com apoio de uma/um profissional de saúde. Mesmo nos transtornos que se apresentam desde a infância e que só foram descobertos na fase adulta, o autoconhecimento é muito importante no processo de descoberta de algum sofrimento psicológico e na busca por ajuda especializada. Identificar-se com a história de alguém que vive com um transtorno, ou com alguma característica apresentada nas redes sociais, pode até ser o início de uma pesquisa aprofundada, com profissionais sérios, mas não pode ser o ponto final de um diagnóstico tão complexo.


Por isso, é tão importante lembrar que, em momentos de sofrimento, buscar auxílio especializado é sempre a melhor opção, e esses profissionais também possuem um grande papel em ajudar a conscientizar sobre o tema de forma responsável, com informações reais e acessíveis. Dessa maneira, a superação desse problema é uma construção de muitas mãos: atualização dos profissionais, para sempre promoverem o melhor atendimento, responsabilidade por parte dos criadores de conteúdo e também no processo de divulgação de informações sólidas e verdadeiras.

 

Texto e revisão:Esther Pesquero Vasconcelos Pinheiro, Maria Luiza Pereira Fernandes, Stephan Lucas Sampaio de Matos, Rany Passos Ribeiro, Letícia Victoria Santos Rocha da Conceição, Bruna Maria Lima de Oliveira, Bárbara Gabrielly Silva Moreira, Cristine Gleyser e Iago do Prado Neves.


Banalização de diagnósticos on-line pode fazer com que a pessoa se condicione a desenvolver novos sintomas, alertam especialistas




Não faltam perfis nas redes sociais que se dediquem a compartilhar informações sobre como diagnosticar transtornos como a ansiedade e a depressão. Na caixa de comentários, várias pessoas detalham sinais de suas crises e conversam sobre os sintomas que sentem.

O que poderia ser apenas um compartilhamento de experiências, porém, acaba tendo consequências graves: psicólogos ouvidos pelo Metrópoles apontam que é crescente o número de pessoas que se autodiagnostica com base em informações da internet ou, pior, aponta sintomas nos outros.


O psicólogo Pedro Paulo Bicalho, presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), aponta que a prática de tratar termos como ansiedade ou depressão com informações superficiais e sem entender as características que a pessoa já possui pode até induzir complicações na saúde mental.

“Os malefícios de um diagnóstico psicológico banalizado são imensos. Ao identificar sintomas descontextualizados, uma pessoa, por acreditar naquilo como uma resposta para seu sofrimento psíquico, pode começar a produzir sintomas que não tem para se encaixar melhor no quadro”, explica o psicólogo.

Buscar identificar-se com diagnósticos generalistas pode atrapalhar o processo terapêutico mais do que ajudar.


A psicóloga Ana Paula Ribeiro Hirakawa, do Centro de Estudos e Pesquisas João Amorim (CEJAM), de São Paulo, aponta que ao mesmo tempo em que há mais discussões e aceitação de alguns transtornos mentais, muitas pessoas não sabem como ou onde obter acompanhamento para seu sofrimento psíquico.

“O que antes era enxergado como algo prejudicial e ruim, hoje é mais compreendido — isso, devemos celebrar. Mas é preciso ressaltar que, para o tratamento, é imprescindível procurar orientação dos especialistas, pois são eles os profissionais capacitados para guiar os pacientes nessa jornada rumo ao reequilíbrio”, explica.


Os profissionais afirmam que a banalização de palavras e conceitos da psicologia nas redes sociais pode ser mais prejudicial do que uma aliada na hora de diagnosticar e tratar os sofrimentos psíquicos.

“As palavras que usamos, ansiedade, depressão, são todas aproximações, mas o sofrimento é sempre singular. Ele precisa ser debatido e absorvido por alguém que tem preparo”, aponta Bicalho.

Como usar a internet de um bom jeito?

O presidente do CFP aproveita para dar dicas de como a internet pode ser usada para o bem do paciente: 

Não generalize – Não devemos forçar uma interpretação de sintomas de outra pessoa para entender o que estamos sentindo e tampouco usar o mesmo tratamento que outro paciente por achar que os sintomas são semelhantes.

Busque ajuda habilitada – “Claro que as redes sociais são parte do nosso social. É impossível impedir que as pessoas falem sobre seus sofrimentos, mas o ideal é que a internet seja vista como um meio para encontrar um psicólogo. A psicologia pode ser exercida de forma on-line no Brasil desde 2018”, defende Bicalho.

Cuide para não diagnosticar o outro – As informações que se obtém durante as terapias e estudos, por mais esclarecedoras que sejam, não devem ser compartilhadas  em testes ou provas que levem possíveis pacientes a se identificar com os sintomas. Além disso, apenas profissional habilitados podem fazer diagnósticos.



Obrigada por ter chegado até aqui e também ser um apaixonado ou apaixonada pela Psicologia!


Até breve! 😊

Raísa Suzuki

CRP-06/138639



Telefone e WhatsApp para contato: (11) 9 7210 5643


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