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Foto do escritorThiago Miranda

A verdade do inconsciente



Quando decidir criar conteúdo para as redes sociais, encontrei uma dificuldade: o que escrever de interessante para o público que acessar meu material. Vendo os perfils de outros psicólogos, percebi um padrão que parecia fazer sucesso, mas que eu não conseguia encontrar lugar dentro dele: dicas comportamentais que auxiliariam cada um que estava passando por determinada questão específica, geralmente conversando com outros saberes da saúde: alimentação, sono, exercícios, meditação etc. Este é um tipo de conteúdo que auxilia bastante aqueles que tem acesso a ele, sendo assim bastante importante. Porém, o objeto e objetivo de trabalho da psicanálise é outro. É importante aqui fazer uma distinção entre consciente e inconsciente.


Quando falamos que psicologia e psicanálise são áreas distintas, isso se deve exatamente a esta divisão. Enquanto as psicologias geralmente trabalham através da consciência, a psicanálise tem sua atuação no insconsicente. O que quero dizer com isso? Por mais que existam diversos elementos que não fazem parte da consciência que estão em jogo nas terapias psicológicas (para pegar um exemplo, as crenças disfuncionais dentro da TCC), o trabalho feito se da na e pela consciência.


Não estou dizendo que a psicologia só trabalha no nível da consciência, pois os efeitos terapeuticos das abordagens psicológicas diversas são duradouros pois lidam com aspectos da mente que não estão na consciência, e sua grande maioria com eficiencia comprovada. Vale lembrar também que aqui não se faz um julgamento de qual método é mais eficiente ou melhor, pois cada um tem suas especificidades e relevância dentro das psicoterapias. O que estou dizendo é que para a psicanálise o foco é o inconsciente.


Durante minha graduação, tive um encontro de supervisão com um professor de abordagem TCC (Terapia Cognitivo Comportamental), que mostrou exatamente esta diferença entre uma abordagem focada na consciência e no inconsciente. Ao relatar o caso que eu estava atendendo, a orientação do professor foi de pegar um tema específico apresentado pela paciente e focar nele. Esta abordagem apresentada pelo professor é o extremo oposto de uma psicanalítica, onde o que faremos é exatamente não focar em nada específico, dentro da técnica de atenção flutuante, pois o que queremos é estar atentos as manifestações do inconsciente. Essa diferença da atenção utilizada pelo psicoterapeuta é a diferença entre um foco na consciencia e no inconsciente que estou tentando distinguir.


Freud define que a terapia psicanalítica funciona como o trabalho de um escutor que retira elementos da pedra para formar sua obra, per via di levare. Assim, podemos entender que as psicoterapias focadas na consciência funcionam como a obra de um pintor que adiciona tinta a tela e forma sua obra, adicionando elementos ao sujeito, per via di porre. Se é assim, entendemos o quanto as dicas comportamentais funcionam bastante numa lógica da consciência e já possuem dificuldades para uma abordagem psicanalítica.




Entendendo esta diferença é possível entender a dificuldade que eu tive. Pois se entendemos que a psicanálise trabalha com o inconsciente, também entendemos que ela lida com outra verdade: a verdade do insconciente. Ela é uma verdade de outra espécie.


Por exemplo: estudos mostram que realizar atividades físicas auxiliam pessoas em processos depressivos pois tais atividades estimulam a produção química de elementos que auxiliam no humor da pessoa. Esta é uma verdade que lidamos através do nível da consciênica. Uma verdade construída e/ou descoberta, além de questionada, atraves de métodos específicos (clínicos, laboratoriais, fisiológicos, etc.). E por ser uma verdade da consciênica, é possível ser transmitida por uma rede social. Ao dizer que realizar atividades como caminhar ajuda na melhora da depressão, isso é compreendido por todos.


Já a verdade do inconsciente é de outra ordem. Ela fala de uma verdade do sujeito que ele já sabe, mas não possui acesso, sendo este sujeito do insconciente. Não há nada que eu possa falar sobre a verdade do sujeito, que para nós é verdade do inconsciente. Esta verdade está ligada ao desejo do inconsciente, diferente da demanda que é de outra ordem. O que fazemos, em parte, é provocar: provocar cada um para que vá de encontro a este inconsciente. E esta provocação está ligada a dinâmica da própria clínica - a transferência.


Assim, esta trasmissão de uma verdade do inconsciente através de redes sociais cairia no campo do impossível. E o que fazer em relação a isso? Apesar do caminho aparentemente mais óbvio seria desistir desta tarefa, há algo que me move a escrever estas linhas. É o desejo que me move em direção a escrever. A transmissão faz parte do nosso trabalho como psicanalistas. Fazemos, em parte, uma transmissão da nossa verdade, que de alguma forma, vai de encontro a outras. No fundo, o trabalho da psicanálise é clínico, numa clínica extendida para além do consultório. Uma clinica que fala do inconsciente. E escrever aqui faz parte desta dinâmica.


Thiago Miranda

Psicólogo - CRP 05/62075



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