Trouxe aqui uma breve pesquisa que fiz sobre as bases e o conceito de Fenomenologia, com o intuito de trazer uma compreensão desse instrumento utilizado pela psicologia como abordagem. Muitos pacientes questionam sobre como se dá esse atendimento, então é importante buscar entender um pouco sobre onde se ampara e de onde vem o entendimento para os atendimentos feitos sob o seu olhar.
“A psicologia foi um ramo do domínio da filosofia até a década de 1870, quando se desenvolveu como uma disciplina científica independente na Alemanha.” A filosofia, como escola ainda mais antiga que a psicologia, que podemos dizer inclusive que serviu e serve como base para a psicologia em si, é onde precisamos mergulhar para buscar essa fonte dos questionamentos primordiais da existência.
O que é Fenomenologia?
A fenomenologia, muitas vezes usada como abordagem aqui nas sessões de terapia, e também conhecida como existencial-humanista, é uma vertente que se atenta à importância dos fenômenos da existência humana, estes os que são captados de forma imediata pelos nossos sentidos e pela nossa intuição. Ela está inteiramente focada no estudo da relação e da experiência do indivíduo com esses objetos fenomenais vivenciados em sua jornada.
É uma abordagem que se propõe a refletir nas condições de existência do ser humano. É pautada na metafísica e utiliza a liberdade como seu maior mote. A fenomenologia tem o existencialismo como centro e base, e para os filósofos existencialistas, a essência humana vai sendo construída conforme a sua vivência no mundo e suas escolhas em meio a liberdade incondicional que o indivíduo possui.
Essa corrente prega que o ser humano é um ser que possui total responsabilidade de suas ações, criando assim ao longo da vida, um sentido para sua própria existência. Os existencialistas acreditam que a experiência humana se baseia na angústia e na náusea de a vida não possuir um propósito ou um sentido para além de sua mera existência.
Sendo assim, partindo de uma autonomia moral e existencial (humana), nós fazemos as nossas escolhas na vida e traçamos objetivos e metas, e dentro dessa situação, cada escolha implica numa perda ou em várias, dentre as muitas possibilidades existentes.
A partir daí, a liberdade de escolha se torna o elemento gerador, onde nada nem ninguém além do próprio indivíduo pode ser responsável por onde suas escolhas irão o levar. Nessa visão, nós como seres humanos nos tornamos assim seres “para-si”, dotados de plena liberdade e responsabilidade.
Historicamente, na filosofia e na Grécia antiga, filósofos como Platão e Aristóteles já discutiam e dialogavam a respeito da existência e do ser. Costumavam dizer que pra tudo se tinha uma essência, ou uma propriedade essencial:
“Um certo grupo de propriedades que são necessárias ou essenciais, para algo ser aquilo que é.”
Assim como uma faca tem por sua essência a navalha, o ser humano também tem sua essência de propriedade. Nesse momento da história, se acreditava que essa essência vinha com a gente antes mesmo de a gente nascer. Se acreditava então que parte do que é ser humano é termos uma essência. O sentido da vida é que você nasceu para fazer algo. Se cria então a corrente do essencialismo.
Existiram alguns pensadores que contestaram essa ideia de que existe uma essência pra tudo e pra nós. Nietzsche (1984-1900), por exemplo, adotou o niilismo para sua vida. Este seria o contrário do que foi apresentado anteriormente, pois se trata da falta de sentido na existência.
Já na corrente filosófica existencialista, o expoente inicial é Soren Kierkegaard (1813-1855), que foi um filósofo dinamarquês e é considerado o pai do existencialismo. Fazia parte da linha do existencialismo cristão, que defende centralmente o livre-arbítrio e a irredutibilidade da existência humana. Uma de suas conhecidas citações:
“Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se.”
Martin Heidegger (1889-1976), a partir da obra de Kierkegaard e da crítica à história da filosofia, traz o conceito de a vivência humana poder ser experimentada de forma autêntica ou de forma inautêntica. Ele nos diz que o que vai determinar nossa existência será a atitude frente a morte e as escolhas que faremos diante da finitude da vida.
“O ser humano não é o senhor dos seres, mas o pastor do ser.”
E centralmente, como um dos maiores representantes da corrente do existencialismo, temos Jean-Paul Sartre (1905-1980), que foi um filósofo, escritor e crítico francês. Um dos mais importantes filósofos do século XX, que trouxe o questionamento de “e se nós existimos primeiro?”.
Trouxe o questionamento de “e se não possuímos essa essência antes de ter vida? E se ganhamos isso de acordo com as nossas vivências, experiências e escolhas?”. E esse questionamento se tornou base para o existencialismo.
Sartre também nos fala sobre estarmos condenados à liberdade:
“O homem não é nada além do que faz de si mesmo.”
“Eu sempre posso escolher, mas devo saber que, se não escolher, ainda estou escolhendo.”
“Nós somos nossas escolhas.”
“Não fazemos o que queremos, no entanto, somos responsáveis por aquilo que somos.”
“Um homem não pode ser mais homem do que os outros, porque a liberdade é semelhantemente infinita em cada um.”
“O existencialismo não é um deleite lamentável, mas uma filosofia humanista de ação, esforço, combate e solidariedade. O homem deve criar sua própria essência: é ao se jogar no mundo, sofrendo ali, lutando ali, que gradualmente define o que esse homem é antes de morrer, ou o que a humanidade é antes de desaparecer.”
“O primeiro movimento do existencialismo é conscientizar todos os homens sobre o que ele é e fazer com que toda a responsabilidade de sua existência esteja sobre ele”.
Como a Psicologia utiliza a abordagem Fenomenológica?
Segundo Machado (2021), para o Conselho Federal de Psicologia (1992), enquanto uma área de atuação, a psicologia clínica é definida como uma “atuação através de intervenções que visam reduzir o sofrimento do homem, levando em conta a complexidade do humano e sua subjetividade”. Diz também que, tradicionalmente, a psicologia clínica é considerada como uma especialidade do modelo da medicina clínica, da psiquiatria e psicanálise. Resulta também de outras influências dos contextos históricos e socioculturais do seu período de desenvolvimento, como a psicometria e a Segunda Guerra Mundial (Schneider, 2022).
Porém, essas metodologias não se restringem ao cenário clínico. A abordagem fenomenológica pode ser utilizada no contexto da psicologia hospitalar, por exemplo.
“A psicanálise existencial é a apresentação de um método e uma proposta de Sartre para a compreensão da realidade humana, partindo da ideia de que o ser humano é liberdade em situação e considerando o recorte de seu contexto histórico e social. Tal compreensão visa não restringir os sujeitos aos determinismos históricos e, principalmente, recusa a ideia de que o ser humano é analisável e reduzido aos “dados primordiais” (desejos e tendências) (Sartre, 2011).
De um modo geral, as abordagens em psicoterapia ditam como um psicólogo compreende a problemática do paciente e como o psicólogo vai se posicionar diante do que o paciente apresenta. É importante ao paciente, na busca por um psicólogo, procurar saber não só a abordagem que ele utiliza como o que compreende essa abordagem. É importante saber como essa abordagem compreende a vida e o ser humano como um todo.
A psicóloga Gisele Zig (2022), em sua experiência com essa abordagem no contexto clínico, comenta que na psicologia fenomenológica não existem técnicas prontas. Não existe um modelo a seguir que se possa aplicar para todos os pacientes, como existe por exemplo na psicanálise ou na abordagem comportamental. Não existe então um padrão a se seguir nesse sentido, pois a fenomenologia parte do pressuposto que cada paciente vai trazer a sua demanda específica, e sendo assim, se torna necessária uma intervenção também específica.
Fala também que no espaço terapêutico, seguindo essa premissa da fenomenologia, existe então o encontro de duas existências. Existe uma proximidade no sentido de ser um ser humano cuidando de outro ser humano. O vínculo terapêutico é no sentido de caminhar juntos, na confiança e na cumplicidade da terapia em busca dos sentidos mais profundos e existenciais desse paciente. O que é o existir dele? Este é o olhar dessa abordagem.
A ideia de terapia aqui é vislumbrada como a possibilidade de uma libertação daquilo que aprisiona. A fenomenologia busca libertar o paciente e nós mesmos para além do olhar de um simples enfoque de diagnósticos de comportamento. Trabalhamos a responsabilidade do paciente sob suas escolhas. Se busca apurar de forma mais pura o conteúdo do que é trazido. O propósito maior é tornar o paciente o mais transparente para si mesmo.
Referências Bibliográficas
Fenomenologia. In: Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fenomenologia - Acesso em: 18/08/2024.
Machado, F. C. L., Vaccaro, M. M., & Freitas, S. M. P. (2021). Atendimentos psicológicos breves em instituições públicas de saúde: Contribuições do existencialismo sartriano. Psicologia: Ciência e Profissão, 41 (n.spe 4), 1-12. https://doi.org/10.1590/1982-3703003211479
Tinocando TV. Existencialismo Explicado. Youtube. 16/05/2021. Duração: 08m12s. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y-0nKMsV_KY&t=2s Acesso em: 15/08/2024.
Zig, Gisele. Ep 44 O que é e como funciona a terapia na psicologia fenomenológica-existencial. Youtube, 20/06/2022. Duração: 13m54s. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-4ReBC5-1CQ&list=PLL6nA1m7GOxNjQT-pw1Im9hvDeT-qOmTW&index=69 Acesso em: 15/08/2024.
Comments