
Amar é decidir estar presente depois que a química acalma.
Mais do que explosões, o amor que dura é aquele feito de escolhas conscientes.
O amor é uma das experiências humanas mais intensas e uma das mais intrigantes para a neurociência. Nosso cérebro não reage da mesma forma ao longo de um relacionamento: ele muda, se adapta e reorganiza circuitos. Sim, o amor mexe com a cabeça — literalmente!
A paixão: motor no máximo
No início, o cérebro entra num estado especial: o sistema de recompensa dispara e libera uma tempestade de dopamina. Você sente uma energia imediata só de pensar naquela pessoa. Só que, nesse estado de torpor, o córtex pré-frontal, que avalia riscos e controla impulsos, desacelera.
O sistema límbico (destaque para a amígdala e hipocampo) fica mais reativo. A noradrenalina aumenta a vigilância para tudo o que envolve o tal ser amado: seu lado stalker aparece. A serotonina cai e a mente tende a repassar as mesmas imagens e frases em looping. É quando seus amigos começam a dizer que você “só fala disso”.
Nessa fase, cada pensamento apaixonado é uma verdade absoluta. O freio da razão fica mais frouxo e o pé afunda no acelerador. Sabe aquela capacidade de ver as coisas como são? Então, se perde. Lembra, o córtex pré-frontal está rebaixado. Não custa lembrar: é tudo bioquímica. Repita comigo: é tudo bioquímica. Mais uma vez: é tudo bioquímica.
Você já tem o conto de fadas pronto na cabeça mas ainda é cedo para rever planos. Deixa a química se assentar. Continuar investindo na vida como um todo antes da chegada da pessoa (ainda que seja a coisa mais sem graça do mundo), é como um contrapeso biológico: ajuda o cérebro a manter outros circuitos ativos e a não girar na mesma engrenagem emocional entorpecida.
Do fogo ao vínculo – o amor que permanece
Com o tempo, o córtex pré-frontal volta a equilibrar emoção e razão. O sistema límbico reduz a intensidade; no hipotálamo, a ocitocina e a vasopressina fortalecem o vínculo, a confiança e a sensação de segurança. A euforia diminui e surge algo mais estável: um amor que não precisa do drama para existir.
Previsibilidade não é sinônimo de monotonia. Nem deve. É hora de fortalecer o vínculo com ações consistentes, de relembrar os combinados. Sabe aquela frase bíblica "Orai e vigiai"? Então, é aqui que ela entra – até porque, nesse estágio você já não conta mais com aquela tempestade de dopamina e as borboletas que moravam no seu estômogo já voaram pra longe.
Se no começo o desafio era não se deixar engolir pela intensidade, agora o lance é não cair no ‘deixa pra depois”. A rotina engole tudo, inclusive os pequenos gestos, as conversas despretensiosas e o que mantém o vínculo vivo. Cultivar o que foi construído precisa ser o inegociável de qualquer casal.
No fundo, em qualquer fase, a ciência e a experiência dizem a mesma coisa: o que sentimos muda, mas podemos escolher como agir. E, se conseguimos perceber que nem a paixão desenfreada nem a calmaria total definem sozinhas o amor, ficamos livres para viver cada etapa com presença — sem perder de vista a pessoa que queremos ser e que queremos ser para o outro.



