
A violência doméstica nem sempre se apresenta de forma explícita ou contínua.
Em muitos casos, ela se organiza em ciclos, um fenômeno amplamente descrito na literatura psicológica e nas políticas de proteção às mulheres.
De modo geral, esse ciclo envolve três momentos principais:
um período de tensão crescente, seguido por um episódio de violência (que pode ser física, psicológica, moral ou emocional) e, posteriormente, uma fase de aparente calma, cuidado e afeto.
É justamente essa última fase que costuma gerar maior confusão emocional.
Após episódios de agressão ou medo, o parceiro pode se mostrar doce, atencioso, disponível, arrependido. Pode pedir desculpas, prometer mudanças e oferecer cuidado. Para quem vive a relação, esse momento frequentemente reacende a esperança de que “agora será diferente”.
Quando uma mulher começa a considerar a possibilidade de sair da relação, essa mudança de comportamento pode funcionar como um freio. A dor vivida anteriormente parece perder nitidez, enquanto o afeto recente ganha força. A decisão, que já era difícil, torna-se ainda mais complexa.
É fundamental dizer com clareza:
A dificuldade em romper não está relacionada à fraqueza, à ingenuidade ou à falta de amor-próprio.
A alternância entre ameaça e cuidado produz um impacto psíquico profundo. O corpo permanece em estado de alerta, mas o vínculo oferece, temporariamente, alívio, pertencimento e segurança emocional. Esse contraste fortalece o laço e pode gerar culpa, confusão e ambivalência — sentimentos frequentemente relatados por mulheres em relações violentas.
Reconhecer que a “fase boa” também faz parte do ciclo da violência não é simples. Muitas vezes, essa compreensão só se torna possível quando existe um espaço de escuta que não julga, não apressa e não prescreve decisões.
Na psicoterapia, especialmente em abordagens centradas na pessoa, o foco não está em dizer o que alguém deve fazer, mas em favorecer a ampliação da consciência sobre a própria experiência vivida. Nomear um processo não é acusar, nem retirar autonomia — é oferecer linguagem para algo que já está sendo sentido, muitas vezes de forma confusa e solitária.
Compreender os ciclos da violência pode ajudar a reduzir a autocrítica, a vergonha e o isolamento. Pode também abrir espaço para que, no tempo possível de cada pessoa, escolhas mais seguras possam emergir.
Informação, quando oferecida com cuidado, também é uma forma de proteção.
E ninguém deveria atravessar esse tipo de sofrimento sozinha.
Rodrigo Leite
Psicólogo - CRP 06/215645




