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Como as novas formas de classificar o mal-estar revelam transformações profundas na nossa sociedade

O Sofrimento Rotulado

12 de dez. de 2025

Geovanna Moreira Bastos

Psicologia
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Nas últimas décadas, a maneira como entendemos o sofrimento emocional mudou radicalmente. Termos desapareceram, outros surgiram, e aquilo que antes era visto como parte da vida passou a ser descrito como doença. Esse movimento levanta perguntas importantes: o que isso diz sobre a nossa época? Por que precisamos dar novos nomes ao que sentimos? E o que a psicologia tem a contribuir nesse cenário?

 

Segundo o professor e psicanalista Vladimir Safatle, essas mudanças não são apenas técnicas, mas dizem respeito ao próprio jeito de sofrer do ser humano. As transformações sociais, culturais e tecnológicas dos últimos cinquenta anos mudaram também a forma como buscamos ajuda e como descrevemos nossos conflitos internos. Mesmo com tantos avanços na medicina e na tecnologia, o sofrimento não diminuiu — pelo contrário, cresceu de forma alarmante. Hoje, ansiedade e depressão atingem milhões de pessoas, e os números continuam subindo.

 

O curioso é que, ao mesmo tempo em que o sofrimento aumenta, as categorias usadas para descrevê-lo se multiplicam. Para se ter uma ideia, o manual mais usado pela psiquiatria (DSM) saltou de 128 para mais de 500 classificações em pouco mais de meio século. Isso levantou um ponto importante no debate: estamos realmente descobrindo novos transtornos ou estamos mudando a forma de enxergar comportamentos humanos que sempre existiram?

 

É claro que fazer testes neuropsicológicos para identificar se o indivíduo tem ou não determinado transtorno pode fazer parte de uma jornada importante de autoconhecimento e autocuidado. Receber um diagnóstico pode ajudar tanto a compreender melhor a si mesmo quanto a encontrar maneiras de atenuar os sintomas, seja por meio de apoio emocional, seja com auxílio medicamentoso. No entanto, a questão central é como o indivíduo lida com o “rótulo” do diagnóstico. Hoje em dia, vemos muitas pessoas dizendo que são borderline, bipolares, TDAH etc., em vez de dizer que têm esses transtornos, como se o diagnóstico passasse a ocupar toda a identidade da pessoa. Assim, o sujeito deixa de elaborar sobre sua própria história e reduz sua complexidade a uma justificativa: “sou assim porque sou TDAH”.

 

Safatle chama atenção para algo essencial: nem todo sofrimento é doença. Tristeza, luto, frustrações e perdas fazem parte da vida e não precisam, necessariamente, ser medicalizadas. Quando tudo ganha nome de transtorno, corremos o risco de acreditar que qualquer dor precisa ser curada rapidamente, esquecendo que algumas experiências exigem tempo, elaboração e acolhimento — não um rótulo.

 

Essas mudanças também se relacionam com transformações maiores na sociedade, especialmente na forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. As exigências do mundo atual, o ritmo acelerado e a pressão por produtividade influenciam diretamente a maneira como nos sentimos. Não é por acaso que tantos adoecem. Como aponta Safatle, o modo de viver no capitalismo molda não apenas nossa rotina, mas também nossos desejos, nossa linguagem e até a forma como percebemos a nós mesmos.

 

Diante desse panorama, a psicanálise convida a um olhar mais profundo: antes de perguntar “qual é o meu diagnóstico?”, talvez seja importante perguntar “por que estou sofrendo assim?”. Em vez de apenas classificar, rotular ou ajustar comportamentos, a psicanálise propõe escutar o sentido do sofrimento, compreender sua história e reconhecer que ele fala algo sobre cada um de nós. Mais do que eliminar o mal-estar, trata-se de entender o que ele revela sobre a nossa forma de existir no mundo.

 

 

 

Geovanna Moreira Bastos | Psicóloga e psicanalista - CRP 01/30116

Meu perfil no Terappia: www.terappia.com.br/psi/Geovanna-Moreira-Bastos

 

 

 

 

 

 

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