
No Dia do Amigo, o Brasil acordou com a notícia da partida de uma mulher que simbolizava justamente aquilo que essa data celebra: afeto, lealdade, presença. Preta Gil faleceu após uma longa batalha contra o câncer, mas seu legado vai muito além da doença. Ela não apenas viveu com coragem — ela amou com coragem.
Preta sempre foi maior que os rótulos. Mulher preta, gorda, artista, irreverente, intensa. Cantava o que queria, vestia o que gostava, amava com entrega. E, mesmo diante dos episódios mais dolorosos — como a traição e o divórcio vividos publicamente durante o tratamento —, ela escolheu seguir de cabeça erguida, sem perder a ternura nem a dignidade. Enquanto muitos esperavam silêncio ou autopiedade, ela respondeu com verdade e elegância. Não por necessidade de exposição, mas porque sabia da potência que há em ser transparente, principalmente sendo uma mulher preta que sempre teve que provar sua força em dobro.
Ela foi representatividade viva. Seu corpo, sua estética, sua liberdade de ser quem era — tudo isso ressoava profundamente em tantas outras mulheres que raramente se viam representadas na mídia de forma digna. Preta mostrou que é possível ocupar espaço sem pedir licença, e que não há contradição entre ser vulnerável e ser forte. Ela enfrentou o racismo, o machismo e a gordofobia com autenticidade, usando sua visibilidade para abrir caminhos para outras mulheres como ela. E isso, por si só, já é revolucionário.
Durante sua luta contra o câncer, ela nos deu uma aula de amor. Não apenas pelo afeto que recebia, mas por aquele que continuava oferecendo, mesmo em meio à dor. Preta fez da sua rede de apoio um símbolo público de cuidado. Mostrou que amizade também cura, que o amor dos outros pode ser um remédio poderoso. E, ao expor seu processo com delicadeza e coragem, quebrou tabus sobre doença, sofrimento e morte — sem perder a beleza, nem a potência.
Mais do que uma artista ou figura pública, ela foi uma mulher que se recusou a ser moldada pelas expectativas alheias. Ela escolheu viver de forma inteira, intensa e honesta. E isso tocava as pessoas em um nível profundo. Não era apenas o que ela dizia, era como ela dizia. Como olhava. Como acolhia.
Mas talvez a sua herança mais bonita seja justamente essa: o afeto que ela plantou. Preta não deixou apenas discos, shows ou frases marcantes. Deixou vínculos. Deixou o exemplo de alguém que amou até o fim. Que foi casa para amigas, abrigo para a família, espelho para muitas mulheres. E isso ninguém apaga.
Na psicologia, diz-se que o luto é um processo de adaptação à ausência de alguém significativo. Mas há lutos que viram homenagens contínuas. Quando a pessoa que parte deixa sementes de afeto, ela não desaparece: ela floresce em quem ficou. O amor não acaba com a ausência física — ele muda de forma, se transforma em gesto, memória, inspiração.
Preta Gil nos ensinou que viver bem não é sobre evitar a dor, mas sobre ser honesta com ela. Que se permitir ser cuidada não diminui a força, só amplia a humanidade. E que, mais do que qualquer legado material, é o afeto que continua vivo — no toque, na música, nas palavras que ela semeou em tantos.
Ela foi artista, filha, mãe, amiga, guerreira. Mas acima de tudo, foi verdadeira. E isso talvez seja a forma mais bonita de existir.
👉 Se você está enfrentando luto, doença ou se sentindo sozinha, procure apoio. A terapia é um espaço seguro para reconstruir o que o amor ainda pode cuidar.





