
A angústia é um sentimento humano universal. Todos nós já passamos por momentos em que algo aperta no peito, um mal-estar surge sem motivo aparente e parece difícil nomear o que sentimos. Esse sentimento não é como um simples “medo”, mas como um sinal importante de algo mais profundo acontecendo dentro de nós. A psicanálise nos convida a entender a angústia como um indicador de que estamos diante de algo enigmático: o desejo do Outro.
Quando falamos em “Outro” na psicanálise, não estamos nos referindo apenas a uma pessoa qualquer, mas a essa figura simbólica que representa aquilo que nos olha, nos avalia e, de certa forma, nos constitui. O Outro pode ser um pai, uma mãe, um parceiro, a sociedade, ou até mesmo um ideal interno que carregamos. E o que esse Outro deseja? Essa pergunta é justamente o ponto central da angústia.
Em alguns momentos, o desejo do Outro ele é visto no campo das imagens e das identificações, em outros ele aparece ligado às regras, à linguagem e ao simbólico, ou seja, àquilo que organiza nossa vida em sociedade. Mas existe ainda um terceiro registro, o real, que foge à compreensão e escapa das palavras — é justamente aí que a angústia aparece com mais força.
O que Lacan propõe é que a angústia surge quando o sujeito se depara com esse desejo do Outro como algo enigmático, imprevisível e até mesmo paradoxal. Quando não sabemos o que o Outro quer de nós, quando não conseguimos entender nosso lugar na vida do outro, sentimos uma ameaça — não física, mas subjetiva. Não se trata mais de medo diante de um perigo concreto, mas dessa sensação de estar exposto ao olhar do Outro sem saber como responder.
Isso gera um impacto profundo na nossa identidade. Na convivência com o Outro, construímos quem somos, nos organizamos, tentamos ser reconhecidos. Porém, quando o desejo do Outro aparece como algo “inconsistente”, que escapa às regras e às palavras, o sujeito perde temporariamente sua segurança psíquica. Ele deixa de se sentir alguém com identidade estável e passa a se perceber como um objeto — alguém que pode ser usado, rejeitado ou descartado. É nesse ponto que a angústia se instala.
Na vida cotidiana, isso pode ser vivenciado em situações simples, como quando alguém importante para nós muda seu comportamento sem explicação. Ou quando sentimos que estamos sendo avaliados, mas não sabemos “o que esperam” de nós. Em relacionamentos amorosos, por exemplo, essa angústia aparece quando o outro parece querer algo que não entendemos — e, mesmo tentando agradar, seguimos inseguros. A angústia é o sinal de que perdemos o chão simbólico: o lugar onde nossas certezas moravam.
A angústia não engana. Ela não aparece por causa de um perigo externo, mas porque algo interno foi abalado. É como se o sujeito ficasse sem uma resposta pronta, sem um papel claro, e isso o coloca diante de um vazio. Mas esse vazio, por mais incômodo que seja, é também uma oportunidade: ele revela aquilo que não está funcionando mais na nossa forma de nos relacionarmos com o desejo do outro — e com o nosso próprio desejo.
Na psicoterapia, trabalhar a angústia não significa eliminá-la, mas escutá-la. Ela é um alerta de que algo importante está tentando emergir. Quando o paciente consegue falar sobre essa angústia, nomeá-la, o que antes parecia um enigma insuportável começa a ganhar contorno. O que fazia sofrer sem explicação passa a ter sentido. A palavra devolve ao sujeito a possibilidade de agir e de se reposicionar diante do Outro.
Assim, a angústia não é apenas um sintoma a ser controlado ou aliviado, mas um caminho de transformação. Ela nos convoca a deixar de viver como objeto do desejo alheio para descobrir o que realmente desejamos. Esse é um passo importante no processo de subjetivação: sair da posição passiva de quem vive pelo olhar do Outro e assumir um lugar ativo na própria história.
No fim das contas, a angústia nos lembra de que não temos controle total sobre o que o Outro quer de nós — e talvez nunca tenhamos. Mas podemos aprender a lidar com isso, reconhecer esse limite e construir um modo mais autêntico de existir. E esse é justamente o trabalho: ajudar o sujeito a recuperar sua autonomia subjetiva, mesmo diante do enigma do desejo do Outro.
Geovanna Moreira Bastos | Psicóloga e psicanalista - CRP 01/30116
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