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Por que é tão difícil sair de um relacionamento abusivo?

31 de out. de 2025

Geovanna Moreira Bastos

Autocuidado
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Falar sobre relacionamentos abusivos é falar sobre dor, medo, vergonha e, muitas vezes, confusão. É comum ouvir histórias de pessoas que reconhecem estar vivendo uma relação marcada por violência — seja física, psicológica ou emocional —, mas que ainda assim permanecem nela. À primeira vista, pode parecer incompreensível: por que alguém não simplesmente vai embora? A Psicanálise propõe um olhar mais profundo sobre essa questão, ajudando a compreender que, por trás da repetição desses vínculos, existe algo do inconsciente em jogo.

 

Quando se fala em “abuso”, pensa-se em excesso — excesso de controle, de ciúme, de poder ou de dor. Mas há também o “ab-uso”, termo que, na Psicanálise, pode remeter a um uso que ultrapassa os limites conscientes, algo que se repete sem que a pessoa perceba o motivo. Essa repetição, segundo Freud, pode ser um modo inconsciente de reviver situações antigas, ligadas às primeiras experiências de amor, cuidado e satisfação. Ou seja, algo da nossa história emocional se atualiza nas relações adultas, mesmo quando nos faz sofrer.

 

Na prática clínica, é comum que pessoas cheguem em busca de ajuda dizendo que “sempre acabam” em relações parecidas — com parceiros controladores, violentos ou emocionalmente distantes. Essa repetição não é sinal de fraqueza ou de falta de amor-próprio, mas de uma dinâmica inconsciente que organiza o modo como cada um se relaciona com o outro. Freud dizia que aquilo que não conseguimos lembrar, repetimos. Repetimos não porque queremos, mas porque algo dentro de nós tenta, de forma inconsciente, resolver uma história que ficou mal elaborada.

 

O amor e o desejo estão sempre atravessados pela falta — falta que é parte da própria condição humana. Nenhum amor é totalmente completo, e é justamente essa falta que nos move em direção ao outro. No entanto, quando a relação se torna um campo de sofrimento constante, pode ser que o desejo se confunda uma forma de satisfação que, paradoxalmente, inclui o sofrimento. Em outras palavras, pode haver prazer até mesmo naquilo que dói, o que torna o rompimento ainda mais difícil.

 

Nessa perspectiva, o que chamamos de “vítima” também é alguém que está presa a uma lógica inconsciente de repetição. Isso não significa culpabilizar, mas entender que, para o inconsciente, a dor conhecida pode parecer mais segura do que o desconhecido. Sair de uma relação abusiva implica, muitas vezes, romper com velhos modos de amar e desejar — e isso exige tempo, acolhimento e elaboração. A psicoterapia é o espaço onde esse movimento pode começar a acontecer, não pela via do julgamento, mas pela via da escuta.

 

A sociedade oferece recursos jurídicos importantes, como a Lei Maria da Penha, que garante proteção e acolhimento às mulheres vítimas de violência. No entanto, mesmo com o amparo da lei, muitas pessoas continuam presas a vínculos destrutivos. Isso mostra que o problema vai além do campo legal: ele toca as estruturas do inconsciente, que moldam nossas escolhas afetivas e o modo como nos posicionamos diante do amor e da dor.

 

A Psicanálise nos convida a olhar para o que há de singular em cada história. Não se trata de oferecer respostas prontas, mas de permitir que o sujeito se escute, que compreenda o que o leva a permanecer em uma relação que o faz sofrer. É nesse processo que algo pode se transformar: quando a dor deixa de ser apenas repetição e passa a ser compreendida como parte de um caminho de autoconhecimento.

 

Em última instância, pensar os relacionamentos abusivos à luz da Psicologia é pensar sobre o amor humano em toda a sua complexidade. Amar é se arriscar no campo do desconhecido, é lidar com a falta e com a impossibilidade de controle. Mas também é, pouco a pouco, aprender a reconhecer os próprios limites e desejos, construindo relações menos marcadas pela dor e mais pelo respeito e pela liberdade.

 

 

Geovanna Moreira Bastos | Psicóloga e psicanalista - CRP 01/30116

Meu perfil no Terappia: www.terappia.com.br/psi/Geovanna-Moreira-Bastos

 

 

 

 

 

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