
Atendendo mulheres de diferentes faixas etárias, percebo um sofrimento comum atravessado por sentimentos de inadequação, insegurança e culpa — sentimentos muitas vezes alimentados por processos de comparação e rivalidade com outras mulheres. Esse fenômeno não surge do acaso ou da “natureza feminina”, como tantas vezes se supõe, mas é um produto cultural, fruto de uma lógica misógina profundamente enraizada.
Desde cedo, mulheres são ensinadas a se verem umas às outras como ameaças. Essa lógica competitiva é incentivada na escola, nos lares, nas mídias, nas redes sociais e nos espaços de trabalho. A cultura patriarcal estabelece padrões estreitos de valor para a mulher — juventude, magreza, beleza, doçura, sucesso conjugal e/ou profissional — e as coloca em constante disputa para se encaixar neles. Não por acaso, tantas mulheres se sentem constantemente "em dívida" consigo mesmas e com um ideal que nunca se alcança por completo.
O discurso da comparação se infiltra em aspectos subjetivos profundos: “Por que ela consegue e eu não?”, “Ela é mais bonita, mais magra, mais inteligente”, “Ela já casou, teve filhos, foi promovida…” — como se a conquista de outra mulher fosse uma ameaça ou uma humilhação. Muitas vezes, a auto-estima se constrói não pela afirmação de si, mas por uma tentativa de ser "melhor do que" outra.
Na clínica, isso aparece tanto em adolescentes, que vivem a pressão estética e a performance nas redes sociais, quanto em mulheres adultas que disputam reconhecimento em ambientes profissionais hostis, ou em mulheres mais velhas, frequentemente apagadas ou desvalorizadas em uma cultura que idolatra a juventude.
Importante ressaltar que essa rivalidade entre mulheres não é um fracasso da sororidade, mas um sintoma social. Ela é produzida por uma cultura que fragmenta e isola, que vê a potência do vínculo feminino como perigosa. A misoginia opera não apenas de forma explícita, mas também internalizada: a mulher muitas vezes julga a si e às outras com o mesmo olhar opressor que a cultura lhe ensinou a usar.
O trabalho terapêutico, nesse contexto, muitas vezes passa por nomear esse processo, desnaturalizá-lo, e construir uma nova gramática do olhar — uma que permita à mulher se ver com mais compaixão e ver as outras como aliadas, e não concorrentes. Quando o espaço clínico permite reconhecer que o sofrimento que parecia “individual” tem raízes coletivas e históricas, algo se abre: a possibilidade de criar novas formas de se relacionar, mais solidárias e autênticas.
Transformar esse cenário exige também trabalho fora do setting terapêutico — na educação, nas mídias, nas políticas públicas. Mas no consultório, é possível plantar sementes de resistência: ao cultivar escuta, nomear as violências simbólicas, e incentivar o fortalecimento dos vínculos entre mulheres.





